João Adolfo Hansen conversa sobre crítica e literatura brasileira contemporânea

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A POESIA

Não acredito que a poesia caminhe para a irrelevância. Acredito que há poetas e poemas irrelevantes. Também que há sociedades irrelevantes, como a nossa. Hoje a poesia não é um valor. O que a boa poesia sempre fez? Produzir vazio, evidenciando a ficção que é o eu, impedindo que se delire com a linguagem das instituições, dando forma eficaz às maiores dores, fazendo a gente ficar espantado com a alternativa de outra vida etc. A grande poesia é sempre o exílio de uma recusa do que se dá como natural. Pensei, quando os norte-americanos causaram essa crise do capital, que finalmente os últimos vinte anos de tucanagem-yuppismo-politicamente-correto-multiculturalismo podiam finalmente morrer e que seria o momento de pensar por exemplo que arte queremos, pondo de lado a chateação insignificante das instalações, o repeteco dos pastiches, as coisas neo-neo-retrô escritas “à moda de”. No caso da poesia, sempre acreditei com Nietzsche e sem nenhum romantismo que ela se faz com o sangue da experiência. Que experiências temos hoje? O imaginário minguou com a Grande Saúde que veio com a desistoricização de tudo, fazendo eterno o presente da troca mercantil. Não temos passado e os passados se acumulam como arquivos de signos citáveis. E o futuro, principalmente ele, desapareceu da nossa competência. O jornalista toma a palavra. Quando a linguagem cotidiana é degradada e degrada as mínimas relações, qual a possibilidade de existir um Dante pra pôr os que cometem crimes contra a linguagem no Inferno? Temos uma ou duas gerações de poetas formados pela imprensa e pela TV. Não acredito que possamos, sem injustiça, culpá-los totalmente pela má poesia, pois também são homens e mulheres vivendo o mesmo estado de coisas. Alguns tentam, e acredito que muitos com honestidade, praticar seu ofício. Evidentemente, muitos são falados pelas coisas. E muitos são afetados, parecem blasés, leram todos os livros, acham que a carne é triste porque é gorda e fuma. Querem emagrecer e fazer exercícios. A ideologia da Grande Saúde + desistoricização + narcisismo + despolitização + plenitude = a cultura como a viadagem yuppie. Ora, grandes poetas são absolutamente impessoais. Todos eles inventam coisas que negam sistematicamente o dado imediato da experiência. Todos eles sabem que vamos morrer e falam da perspectiva da morte apostando que o presente passe logo. Como diz um deles, imaginemos uma nova ordem; ainda que seja uma nova desordem, não será bela? Não tenho nada a propor pra melhorar as coisas. Acho justo que essa sociedade tenha a arte que merece. Desejo que o presente passe. O que podemos é pensar a destruição.

Tomado de Sibila

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