O celular vai cantar três vezes antes de você acordar e, quando o fizer, vai quebrar o silêncio. Nada de novo vai acontecer. O lençol vai escorregar até os seus pés, para serem resgatados até o alto de sua cabeça, enquanto seus olhos, de novo, fitam o relógio.
Hora de acordar, você se diz. Mas não levanta. Ao invés, vai permitir que seus pensamentos afundem no sono, e que sua mente deite um pouco mais na dormência. Nada de novo vai acontecer. E é lutando contra essa vontade louca de ficar ali sem fazer nada, que se levanta. Olha ao redor, e os outros dois estranhos ainda roncam – não se importe, você pensa. Desliza os pés por entre os chinelos e apenas com a luz que invade o pedaço da janela não ocultado pela cortina do quarto, se arrasta cambaleante e morto-vivo até o chuveiro.
– Hoje vou dormir mais cedo, você mente.
E quando piscam os olhos, o ambiente mudou, o tempo passou, e seus sentidos nem perceberam – é o efeito da rotina. Enquanto finge com seus amigos uma piada qualquer do café-da-manhã, ergue o cartão e a primeira passagem se faz: hora de entrar em uma viagem rápida, para um lugar rápido.
– Se estiver com sorte, vou ter um lugar para sentar, você pensa. E isso acontece.
Nos seus fones de ouvido há um silêncio tumultuoso, enquanto a voz de um ser distante vem até a sua consciência em forma de deja vu… “I believe i can see the future, cause I repeat the same routine”. E ele está certo, você se diz. E aos poucos você se recorda de quando tudo ali era novidade, e de como o novo te fazia querer acordar cada vez mais cedo para abraça-lo. Mas agora o novo se tornou um desejo gritante por novidade. E nem faz tanto tempo assim e…
E antes de poder pensar seus olhos piscam. O céu escureceu, nada de novo. Hora de voltar pra casa. Você ergue o cartão enquanto ri com seus amigos de uma piada feita durante essas horas e horas do dia que passou e ninguém percebeu. Se estiver com sorte, vai ter um lugar pra se sentar no ônibus, mas isso não acontece.
– Hoje eu vou dormir mais cedo, você mente.
Passagens de um dia qualquer.
Henrique Santana C, es un estudiante de Letras en la UNILA.