VASINFIN NO BRASIL – VASINFIN NO PERU

Poetizemos o político.

“Era um constante e tenaz remoer”,

diria o biógrafo amigo Asturrizaga

sobre as trilcílabas calabrinas

em crisol.

“Um pouco mais de consideração,

e o terriço líquido, seis dessa tarde

COM OS SEUS MAIS SOBERBOS BEMÓIS”,

diria Vallejo, o César, cholo caboclo

sob o sol.

Desfiladeiros vocais desfaçam

nas falas                em guano

os seus babosos reclichês rechicletes

que necrosam vencedores vincendos vencidos perdedouros vencedoiros pervincentes

perdorrentos

no Mesmoceno maiúsculo maxilar imóvel da

Mediocracia de Formulários,

um a um em fila nazi-iluminista,

porém, reparem e respeitem,

sempre muitíssimo bem preenchidos,

segundo Hannah Arendt,

meu bem!

Cartazes roucos e gagos celebrem

os ritmos das entranhas

geológicas, convexas dobras

em penca

reviradas retorcidas

em xaxim

dos desavessos das tribos

nos varais bemóis        do agora

em coral

(Itanhaém Itanhaém Itanhaém)

nos cangotes da alegria.

Amálio Pinheiro

(3 de setembro de 2022)

A associação do VASINFIN (Vallejo Sin Fronteras Instituto, Lima-Peru) e do AME (Arquipélagos Mestiços, do Grupo de Pesquisa “Barroco, Oralidades e Mestiçagem”, COS-PUCSP-Brasil) deriva inevitavelmente das inúmeras e combinadas práticas poéticas e culturais, com enorme acervo de arquivos de conhecimento acumulado em torno de César Vallejo, nestes 100 anos da comemoração de Trilce, pelo grande vallejólogo peruano Pedro Granados (presidente do VASINFIN) e por Amálio Pinheiro (que agora preside o mesmo Instituto no Brasil).

Granados, além das vastas e penetrantes pesquisas e análises sobre o pluriverso Vallejo, — que incluem, por exemplo, Vallejo e Arguedas, Vallejo e os barrocos possíveis, Vallejo e o mito de Inkarrí, Vallejo e política etc., passando pelo profícuo aproveitamento do multiculturalismo canibalizante de Viveiros de Castro –, converge, poeta dos bons que também é, com nosso entendimento de que as noções mitológico-antropológicas e histórico-sociais, semântica e tematicamente disseminadas nos poemas, não podem vir desacompanhadas, para funcionar como performance de escuta e leitura, das cruciais análises micro-rítmicas e vocal-escriturais. Donde seus textos que exaltam a presença dos vários gestos, no “archipiélago Vallejo”, da marinera ou refalosa, do huaino e mesmo de certos componentes flamenco-arabizantes, que obrigam, nessa interlíngua trílcica, a uma reviravolta neuro-sensitiva participante da alegria na tristeza e do coletivo na solidão. Ou como resume Pedro Granados: “Letra, ritmo e coreografia a un tiempo” (“Trilce: húmeros para bailar”, p.15).

César Vallejo é um ponto nodal de entroncamento para se poder entender a posição das Américas Latinas de todas as falas do mundo e vice-versa, a partir de um descarrilamento plurilíngue desde as Colônias ameríndio-afro-imigrantes, que transtorna as noções progressivas do antigo, vanguardista, moderno e contemporâneo, tendo-se em vista a máxima invasão, em formas espiraladas e retorcidas, em arquipélago, calidoscópio e palimpsesto, do imprevisível dentro previsível, que é preciso escarafunchar e esgaravatar para repor o cortejo desregrado, fora de fluxo, em andamento.

As dificuldades para se ler Vallejo são as dificuldades para se entender, a partir de uma racionalidade ocidentalizante, a complexidade limite do continente de uma intralíngua mestiça mutuamente conivente com o externo (Tinianov, Lótman), essa dança de linguagens, corpos, paisagens e culturas levadas às últimas consequências. Disse Vallejo: “Escribí un verso en que hablaba de un adjetivo en el cual crecía hierba. Unos años más tarde, em París, vi en una piedra del cementerio Montparnasse un adjetivo con hierba. Profecía de la poesía.” (Del carnet de 1932).

Nessa trilha, o autor de Trilce nos remonta a fundações mito-poéticas que nos ajudam, por exemplo, em leituras polifônico-solares como as de um Sousândrade; e nos remete a ritmos e entonações de alegria silábico-acentuais que servem de marcas d’água para o entendimento dos Manifestos oswaldianos, tão necessário nestes concomitantes 100 anos da chamada Semana de Arte Moderna. E, assim por diante, todas as linguagens, séries, gêneros e formatos inclusos e rigorosamente mesclados.

Daí decorre a importância poético-política da tradução, que põe à mostra as formas e tonalidades, ao modo de uma de cuíca afro-tupi de fundo, das muitas realidades embutidas e dos repertórios abandonados nos escombros e entulhos das histórias oficiais, que a domesticidade linear das normas burocratizantes não consegue alcançar. Pensemos num Mar Paraguayo, de Wilson Gomes, com seu portunhol marchetado de guarani e jaguaretês, isso que Néstor Perlonguer chamou de “medula palpitante da língua”.

Daí todas as traduções transculturais. Comecemos com Trilce I, verdadeiro Manifesto abre-alas.

https://arquipelagosmesticos.com.br/para-os-100-anos-da-alegria-trilcica/

 

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