Havia mais nuvens naqueles olhos que vigiavam a tarde que em todos os céus que banhavam as montanhas à volta.
Sentia a sensação do trânsito benéfico, do estar-à-metade-do-caminho, entre o antes e o sempre. Uma pontada de inveja percorreu-lhe como um calafrio de vozes profundas, que voltavam a sussurrar em seus túneis secretos.
Inveja do que sempre foi e será igual e imutável, plantas de beleza eterna, fugaz e tão duradoura. A natureza cambiante de todas as realidades possíveis ali se mostrava ainda mais indefesa, ante a natureza real e ecológica, concreta e sensorial do pôr-do-sol no final da tarde.
Subida no topo da montanha o mundo parecia admirável. Ao invés de enigmas, praças distantes com aparentes verdes e alguma outra cor desfalecida. Distantes também os ruídos e os indícios humanos.
Por isso se emocionava com as alturas e a proximidade do céu. Aquele imenso azul era a coisa mais límpida e real que havia conhecido. O que estava abaixo, com todas as suas mazelas, parecia a mais irreal das possíveis realidades.
Respirava profundamente porque até o ar era outro, e lhe infundia uma temperatura mais cômoda e pertinaz. Ali em cima, no alto, sentia a vertigem que lhe arrancava do torpor de todos os dias e lhe arremetia contra uma parede de rochas avermelhadas, de dureza imbatível, de serenidade conquistada. Ali era onde estava a vida, onde o mundo se apresentava como espetáculo silencioso e seguro. Onde o tempo interrompia os enigmas com a simples frase do sol ou da lua.
Subida no topo da montanha a vida voltava a circular ao redor e por dentro, vida de olhar e paisagem, de respiração e correntezas, de sondagens e margens. A vida, enfim, de realeza abrupta e constante, dos simples prazeres de tocar a terra e ser tocada por ela, de juntar-se aos outros pedaços e sentir o gozo de fazer parte da trama.
Romper o seu patrimônio e imiscuir-se no limiar das horas, do tempo. Trazer à tona e deflagrar a memória de passos já dados, de caminhos coletivos, de mapas percorridos.
A tarde traga o que sobra do nosso voo rasante, das esperanças vertidas em esperanças alheias.
Olhou o relógio e já teria que se levantar. Sabia que o milagre de pensar em contato com o sol que se punha não duraria mais que um pedaço de tempo.
Calçou as sandálias e se foi.
DIANA ARAUJO PEREIRA. Es Profesora de Literatura Latinoamericana de la Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA, en Brasil. Se doctoró en Literaturas Hispánicas por la Universidad Federal de Río de Janeiro, en convenio con la Universidad de Sevilla. Es tradutora y poeta (Vientreadentro, con Adolfo Montejo Navas, RJ, plaquette poética, 2006; Otras Palabras/Outras Palavras, RJ, editora 7Letras, 2008). En 2009 creó con Mariluci Guberman el Laboratório Interdisciplinar Latino-Americano, y bajo su sello ha participado en la organización de volúmenes de crítica literaria. Tiene varios artículos de crítica publicados en revistas especializadas.