“SIGO SIENDO”: Sob Manto Estelar do Peru/ Jorge Anthonio e Silva

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A recordação é a névoa perfumada que, lânguida, retira da mente o vivido. Nos entremeios do presente revive a débil lembrança do que se foi para que a vida, em seu moto continuo, reinvente a esperança.  “Sigo Siendo” é a corruptela do termo “kachkaniraqmi”, em quechua chanka, para significar “apesar de tudo continuo”. Apesar do progresso irrefletido que a tudo torna produto na volatilidade do consumo, os personagens do filme mostram a face de sua perpetuidade. Nesse itinerário de atualização do passado, o diretor Javier Corcuera compôs um fabuloso exercício de memorialística cinematográfica, garimpando dados culturais e estéticos nas três regiões daquele País: a Terra, a Costa e a Selva. Dos Andes o singelo traço de caminhos de terra, tão tortuosos quanto belos fotograficamente. Do mar os formais atavios florais dos negros, seu cadenciado sapateio de batidas vigorosas na terra e uma alegria solar que aquece a alma latina. Da Amazônia o velho canto indígena de louvação à pureza foliar já nem sempre perene, hoje asfixiantemente esmiuçada. Nos anos 40 do Século anterior, houve densa migração de todas as regiões para Lima, em cuja periferia ocultaram-se os peruanos excluídos do progresso material. Trouxeram consigo a sólida carga de suas culturas coletivas que o tempo enevoou e fez calar. Corcuera, com sua racionalidade técnica e abertura criativa, revisitou becos e ruas, bares e endereços transformados, ao modo de um Marcel Proust, “Em Busca do Tempo Perdido’. As falas desses antigos moradores que se tornaram respeitados ícones da música fora da acirrada dimensão mercantil da indústria cultural rememoram outros: Yma Sumac e sua voz de pássaro encantado, Chabuca Granda e as composições de métrica e poesia arrebatada e gentil. Apresenta o talento de Magali Solier, o respeitoso violino de Máximo Damián e tantos outros que emocionam. Entre o documentário e a ficção, Corcuera faz dos dois um instrumental inédito em termos de linguagem, ora retratando quem fala de si, na forma confessional, ora agilizando o desvelo de personagens, como quando Palomita e outro dançarino evoluem com as tesouras. A referência a José Maria Árguedas, escritor, tradutor da literatura quéchua louva as raças, seus encontros e embates, enquanto os vestígios de vidas antigas vão se revelando nos volteios dos de agora, perpetuando a história das tradições.

Dr. Jorge Anthonio e Silva, mestre e Doutor em Estética, Crítico e Curador. Professor de Arte na UNILA

Puntuación: 5.00 / Votos: 4

Comentarios

  1. Marco Roberto. escribió:

    Profesor Jorge:

    Reseña muy apropiada a la película reseñada: como la obra analizada, se empeña en articular las dimensiones intelectual y sensible del observador (lector) y demuestra que el crítico también tiene que ser un artífice (de la palabra) para dedicarse apropiadamente al análisis de la obra estética, fruto del ingenio y arte.

    Felicitaciones por la argucia con que nos convidáis a mirar (o a remirar) la mirada de Corcuera a los sonidos del ánima peruana.

    Atentamente,

    Marco Roberto.

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